O que é economia criativa e como ela vem ganhando cada vez mais espaço nos negócios

O que é economia criativa e como ela vem ganhando cada vez mais espaço nos negócios
03/07/2023 21 min de leitura

O que é economia criativa

Pare um pouco e pense. O que você fez durante o dia de hoje até o exato momento em que parou para ler esse artigo? Acordou com a ajuda de algum assistente pessoal como Alexa ou Siri? Pegou um transporte até o trabalho como Uber ou 99 Táxi enquanto jogava um game pelo celular? Durante seu horário de almoço, pediu sua comida pelo iFood, Rappi ou trouxe aquela marmita que aprendeu a fazer com seu youtuber de culinária favorito? Depois do trabalho, chegou em casa e foi ver um filme ou série em algum serviço de streaming como Netflix ou Amazon Prime, enquanto olhava suas redes sociais, reagindo às publicações de seus amigos, influencers e artistas preferidos? Se a resposta para alguma dessas perguntas foi sim, saiba que você está consumindo aquilo que cada vez mais é chamado de economia criativa. Mas, afinal, o que significa esse conceito e como ele surgiu?

Por ser um assunto relativamente novo, a economia criativa, também chamada de economia laranja, não tem uma definição 100% clara. Porém, há alguns parâmetros que norteiam o tema e que ajudam a identificá-lo em nosso cotidiano. De maneira objetiva, economia criativa nada mais é do que a união de economia e criatividade, prezando o capital intelectual e a criatividade das pessoas na execução de um produto, serviço ou até mesmo na ideia de algum projeto, valorizando aspectos simbólicos durante sua execução. Por exemplo, quando você faz uma viagem e compra um artesanato da população nativa da região, joga um novo game ou vê um espetáculo de dança, você está participando do processo de economia criativa, afinal, os três são produções que utilizam da criatividade como principal fator de realização e possuem características simbólicas únicas.

A ideia surgiu pela primeira vez durante a década de 1990 na Austrália que já utilizava o conceito de “indústrias criativas” para alguns setores do país. Porém o termo foi popularizado mesmo com o escritor britânico John Howkins com seu livro “The Creative Economy: How People Make Money From Ideas”, lançado pela primeira vez em 2001, sendo o título publicado no Brasil como: “Economia Criativa – Como Ganhar Dinheiro com Ideias Criativas”. De lá para cá, a discussão sobre economia criativa foi ganhando cada vez mais espaço nas empresas, esferas governamentais, ONGs e sociedade civil.

Setores e números da economia criativa

Como é de se imaginar, a economia criativa pode ser aplicada em uma variedade enorme de setores. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) criou uma classificação que divide as indústrias criativas em quatro núcleos principais sendo eles: Artes, Patrimônio, Mídia e Criações Funcionais, tendo as seguintes subdivisões:

Artes: Artes Visuais e Artes Dramáticas;

Patrimônio: expressões Culturais Tradicionais e Sítios Culturais;

Mídia: Audiovisual e Publicidade e Mídia Impressa;

Criações Funcionais: Serviços Criativos, Novas Mídias e Design.

Já o Brasil, apesar de algumas pequenas alterações, divide as indústrias criativas de maneira bem semelhante, sendo elas:

Consumo (design, arquitetura, moda e publicidade);

Mídias (editorial e audiovisual);

Cultura (patrimônio e artes, música, artes cênicas e expressões culturais); Tecnologia (P&D, biotecnologia e TIC).

Independente da classificação utilizada, é de se esperar que essas subdivisões contem com diversos segmentos e atividades que podem ser enquadrados dentro da economia criativa, tais como: moda, música, teatro, cinema, gastronomia, turismo, games, eventos, dança, arquitetura, livros, festivais, museus, pintura, fotografia, artesanato etc. O que não falta são exemplos para ilustrar o quanto o mercado de economia criativa é abrangente. Afinal, quem nunca viu um filme e se surpreendeu com uma reviravolta no final, ouviu uma música que toca os sentimentos profundamente ou leu um livro que a cada página ficava mais interessante e ao final disso tudo pensou: Nossa! Haja criatividade em quem pensou nisso!

Com isso, vê-se que ao utilizar a criatividade como principal ativo, a economia criativa acaba fomentando setores empresariais que privilegiam a construção da individualidade tanto dos profissionais que atuam na área, quanto dos consumidores, auxiliando no processo de moldagem, identificação simbólica e expressão de suas identidades. Assim, por meio de infinitas opções de entretenimento, ensino e hábitos de consumo diários, trazidos pela indústria da economia criativa, uma sociedade mais rica cultural, econômica e socialmente é construída, com uma propensão à criatividade e inovação cada vez maiores.

Outro ponto importante a se ressaltar sobre economia criativa é que ela não é restrita apenas para profissionais que atuam diretamente com ela. Como parte da cadeia produtiva econômica, a economia criativa abrange uma série de trabalhadores das mais diversas áreas. Segundo a FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), aeconomia criativa pode ser dividida em três categorias:

1. Indústria Criativa em si: é aquela em que as ideias criativas constituem o campo principal das atividades desenvolvidas por um profissional ou empresa; 2. Atividades Relacionadas: são aquelas que concedem algum tipo de serviço ou material para determinada indústria criativa;

3. Apoio: auxiliam a indústria criativa de forma indireta.

Isso pode ser ilustrado da seguinte maneira: imagine uma empresa que confecciona roupas personalizadas (Indústria Criativa). Ela precisa comprar com frequência levas e levas de tecidos de algum armarinho (Atividades Relacionadas) para manutenção de seu negócio. Por último, caso algum aparelho venha a quebrar, como uma máquina de costura, ela precisará consertá-lo com a ajuda de algum profissional ou empresa que trabalhe comreparos (Apoio).

Graças a essa intercambialidade de processos entre a economia criativa e as ditas “tradicionais”, como a clássica e a de transformação, o Brasil vem apresentando números que aumentam ano após ano. Ainda segundo a FIRJAN, o PIB criativo em 2020 foi responsável por 2,91% de toda a arrecadação nacional, totalizando cerca de 217,4 bilhõesde reais, valor este comparado, por exemplo, ao da construção civil, um dos setores mais fortes e tradicionais da economia brasileira, que teve uma participação de cerca de 2,9% dentro do mesmo período. Ainda no mesmo ano, a economia criativa empregou cerca de 935 mil pessoas, apresentando uma alta de 11,7% em relação a 2017.

Já a nível mundial, segundo pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), caso a economia criativa fosse um país, ela teria o quarto maior PIB do planeta, com um valor aproximado de 4,3 bilhões de dólares e empregando mais de144 milhões de trabalhadores ao redor de todo o mundo.

Benefícios e cases de sucesso da economia criativa

Como você viu, a economia criativa possui como principal fundamento a utilização do capital criativo na produção de bens, serviços e ideias, abarcando uma série de importantes setores da atividade econômica, mesclando-se a outros ditos tradicionais e gerando milhões de empregos pelo mundo afora. Porém, você sabe como ela beneficia a sociedade para além da atividade econômica em si?

Imagine um país que se encontre em situações extremamente adversas, que perdeu ou não possui condições básicas de infraestrutura e investimento. Apesar do contexto precário em que ele se encontra, uma coisa jamais deixará de existir: a criatividade de sua população. Por ser um ativo intangível, a criatividade sempre permeará o imaginário das pessoas, que buscarão maneiras de se reinventar e mudar a realidade dos países que vivem. Um beloexemplo disso são as nações de Singapura, Israel e Suécia, referências em soluções que utilizam-se da economia criativa, e que não há muito tempo, eram países marcados pela pobreza ou más condições de vida.

A partir disso, já dá para visualizar quais os principais benefícios que a economia criativa trás, não é mesmo? Por possuir esse caráter transformador, a economia criativa tem um forte impacto em questões atuais e de suma importância como sustentabilidade e desenvolvimento social. A título de ilustração, abaixo você confere alguns cases de sucesso de economia criativa, trazidos no relatório “Paisagens futuras da economia laranja” produzido pelo BID e que transformaram a realidade de diversos locais pelo mundo.

Austrália

O país possui a Creative Recovery Network (Rede de Recuperação Criativa), que oferece treinamento a artistas e outros profissionais relacionados à cultura, interessados em assumir a liderança para ajudar suas comunidades a se recuperar do impacto de desastres naturais. A CRN também fornece uma plataforma digital, na qual os profissionais podem compartilhar o trabalho e ações realizadas em cenários pós-desastre como inspiração para terceiros. A plataforma inclui ferramentas para a criação de faixas de áudio para oSoundCloud, vídeos do Vimeo, cartões postais digitais e muito mais, com o fim de comunicar e amplificar histórias de recuperação criativa.

Estados Unidos

A Assets for Artists (Ativos para Artistas) é uma parceria entre os governos federal, estaduais e locais dos EUA que destina a ajudar os profissionais criativos de baixa renda a investir em novos trabalhos, ao mesmo tempo em que constroem segurança financeira no longo prazo. O programa oferece doações casadas (um artista que economiza vários milhares de dólares recebe a mesma quantidade em capital de giro) além de coaching e aulas de finanças, marketing e planejamento. Segundo a organização, essa iniciativaaumenta, em média, a renda dos criativos em mais de 50%, além de melhorar seu acesso ao capital.

França

A startup francesa Glowee está desenvolvendo produtos bioluminescentes que emitem luz sem poluição, criada por micróbios e não por eletricidade. O processo se dá através do isolamento dos genes de bactérias que produzem a bioluminescência e que vivem em simbiose com lulas. A introdução desses genes em bactérias cultivadas em laboratório e acolocação das mesmas em uma cápsula transparente resultam em um material que pode ser aplicado em diversos contextos da economia criativa, tais como iluminação decorativa, instalações de arte, sinalização pública e muito mais.

África

O continente possui o DISCOP, cujas atividades se concentram na construção de um novo mercado para conteúdos pan-africanos de cinema e televisão. Os produtores que aderem ao programa podem comercializar seu conteúdo por gênero, idioma, segmentos demográficos e veículos de comunicação. Assim, compradores de toda a região podem usar esse catálogo de pesquisa para encontrar conteúdos adequados aos seus públicos e assistir, antecipadamente, filmes e programas de televisão, bem como usar serviços de contato para agendar reuniões e negociar acordos que transcendem as fronteiras nacionais, estimulando o mercado da economia criativa em todo o continente.

Economia criativa e o conceito de Soft Power

Como você viu, a economia criativa pode ser aplicada em diversos contextos, transformando e auxiliando pessoas e empresas em prol de um desenvolvimento mais social e sustentável. Porém, além dessas aplicações, a economia criativa também está atrelada a outro conceito extremamente importante, usado massivamente pelos países mais influentes: o soft power, termo muito utilizado no meio sociopolítico e cultural para designar a habilidade de atrair e influenciar as pessoas, convencendo-as a aderirem determinada ideia sem a utilização da força ou quaisquer meios coercitivos para isso, ou seja, por livre e espontânea vontade, sendo algo similar ao conceito de soft skills utilizado no ambiente profissional. E quais os meios que os países mais influentes do mundo utilizam para este objetivo? Justamente as ideias, bens e serviços produzidos pelas indústrias da economia criativa. Particularmente, áreas como música, produções audiovisuais, literatura e moda, são mais sensíveis ao soft power, sendo utilizadas frequentemente pelos países com o intuito de promover sua imagem, ideias, cultura e valores para outros povos.

Desse modo, este conceito acaba sendo uma importante ferramenta de persuasão, pois ao criar uma “marca” de sua nação, determinado país passa a ser mais relevante dentro do cenário internacional, aumentando seu poder de influência e obtendo ganhos econômicos, sociais e políticos com isso. Pegue Hollywood como exemplo. Há décadas a produção audiovisual americana leva o american way of life para todos os cantos do mundo, gerando bilhões de dólares para além da simples venda de ingressos dos filmes. Setores como o turismo, venda de produtos e serviços também são impactados pelas produções americanas, atraindo os olhares e dinheiro de fãs do mundo todo.

Outro belo exemplo é o da Coréia do Sul, com o fenômeno denominado Hallyu, também conhecido como “onda coreana” que ilustra a ascensão e popularidade das produções originárias deste país nos últimos anos. Talvez o exemplo mais famoso que mostre isso é o chamado K-pop, estilo musical do país que criou uma legião de fãs no mundo inteiro. Não é por acaso que o gênero leva a letra “K” como prefixo, pois o intuito é justamente demarcar o país de origem desse estilo musical. Ainda na Ásia, há também o Japão, que possui um histórico de êxito com produções tradicionais da economia criativa do país, tais como mangás, animes e jogos que fazem sucesso no mundo todo.

Tratando-se de nosso país, há diversos “soft powers” que podem ser explorados a fim de aumentar nossa expressividade no cenário internacional e que se relacionam com áreas da economia criativa. A imagem de nosso país está profundamente ligada ao Carnaval, que ajuda a projetar uma imagem para o exterior de um país receptivo, amigo e alegre. Inúmeros gêneros musicais vem expandindo a imagem do Brasil lá fora há uns bons anos, tais como o Samba, Bossa Nova e os mais contemporâneos como Funk e Sertanejo Universitário. Outro exemplo são as nossas produções audiovisuais, especialmente as telenovelas, que são frequentemente exportadas e tornam-se sucesso em diversos países do mundo todo.

Ademais, diversos estudos atestam o potencial enorme de soft power que nosso país possui. Segundo os relatórios Soft Power 30 e o Global Soft Power Index o Brasil é reconhecido como o país mais influente e com a posição mais alta no ranking em toda a América Latina, tendo o tópico “Cultura” como o mais relevante, por conta de expressões culturais como o já citado Carnaval e monumentos conhecidos, como o Cristo Redentor. Outros pontos interessantes que os relatórios citam é que nosso país é percebido como “líder nos esportes”, “influente na arte e entretenimento” além de ter a “comida apreciada no mundo todo”. Todos esses pontos são essencialmente áreas da economia criativa e que consumimos todos os dias sem nos darmos conta. Afinal, quem é que pode dizer que nunca viu um jogo do Brasil, assistiu um reality show ou novela ou comeu um pão de queijo com um cafezinho à tarde, não é mesmo?

E falando em Brasil, como é que nosso país fica?

Como você viu anteriormente, a economia criativa brasileira vem crescendo ano após ano, tendo uma participação de quase 3% no PIB total, empregando quase 1 milhão de pessoas de norte a sul e tendo no soft power, um potencial de crescimento imensurável. Algumas iniciativas governamentais foram feitas nos últimos anos com o intuito de estimular o setor, como a criação da Secretaria da Economia Criativa (posteriormente desfeita, e os assuntos

condizentes ao tema encaminhados para a Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural) e a campanha Cultura Gera Futuro, tendo esta última, o programa Cultura Viva e a Lei Rouanet como principais agentes motores.

Contudo, mesmo com essas iniciativas e o crescimento progressivo apresentado, o Brasil ainda está muito atrás de países onde a economia criativa é mais expressiva, como os dos exemplos anteriores. O montante destinado às indústrias criativas ainda não é o bastante para fomentar o setor de maneira bem distribuída em todas as regiões de nosso país. Enquanto há estados que transbordam atividades ligadas à economia criativa e lideram o ranking nacional elaborado pela FIRJAN como São Paulo e Rio de Janeiro, outros como Amapá e Roraima carecem de profissionais e indústrias na área, figurando na lanterna do estudo.

Ainda segundo a FIRJAN, tratando-se da economia criativa por categorias, o país apresentou algumas informações interessantes nos últimos anos. Entre 2017 e 2020 os setores de Consumo e Tecnologia foram os que mais cresceram, tendo taxas de expansão de 20,8% e 12,8% respectivamente, sendo os grandes responsáveis pelo saldo positivo da economia criativa como um todo. Isso se deve graças a alguns fatores, como as tendências de digitalização da economia, a chamada indústria 4.0, em que processos inovadores como a internet das coisase a realidade phygitalsurgem a todo momento e a busca crescente das empresas em atender as dinâmicas do mercado e de seus consumidores, justamente por conta dessas transformações. Ademais, a pandemia potencializou ainda mais esses setores, estimulando novos hábitos de consumo que unem as duas áreas, como o aumento do e-commerce, por exemplo.

Por outro lado, se a pandemia ajudou no crescimento das áreas de Tecnologia e Consumo, nas de Cultura e Mídia seu impacto não foi nada positivo. Ambas apresentaram retração de 7,2% e 10,7% respectivamente, dentro do mesmo período analisado. Além da pandemia que impediu a realização de eventos presenciais, a Cultura sofreu forte impacto por conta de mudanças na Lei Rouanet. Já a Mídia pode ter sua performance negativa atribuída justamente a essas inovações tecnológicas, que vêm afetando em especial os setores mais tradicionais da área como o de revistas, jornais e livros, que ainda estão tentando se adaptar a essa digitalização em massa.

Contudo, mesmo com todas as dificuldades que nosso país enfrenta, há diversos cases de sucesso de economia criativa que demonstram a resiliência e criatividade do povo brasileiro. Há, por exemplo, os projetos Criado em Sampa e Economia Criativa do Sebrae, que visam apoiar e permitir que jovens empreendedores em comunidades de baixa renda desenvolvam negócios culturais, criativos e sustentáveis, promovendo o desenvolvimento social de negócios locais e reduzindo a desigualdade econômica da região. Já no setor de tecnologia, temos o Porto Digital, um gigantesco parque tecnológico localizado em Pernambuco que promove diversas soluções nas áreas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), com ênfase na economia criativa digital, abrigando centenas de empresas de pequeno a grande porte e gerando milhares de empregos.

Conclusão

Como você viu, a economia criativa possui um potencial gigantesco de gerar valor em diversas áreas da atividade humana. Nosso país está repleto de profissionais e mentes criativas que ajudam a impulsionar o setor todos os dias, apesar dos inúmeros entraves que ele apresenta. Contudo, mesmo diante de tais dificuldades, é impossível não observar as profundas transformações que a economia criativa pode trazer para o Brasil. Por essa razão, é imprescindível que não somente o povo brasileiro, mas também nosso governo,passe a enxergar a economia criativa não só como mais uma opção, mas sim, como um fator essencial para o desenvolvimento econômico, social e cultural de nossa nação.